– Amanda, você não disse que você e sua irmã eram gêmeas idênticas?
Tanto Amanda quanto Juliana se surpreenderam com a pergunta. Foi a primeira quem respondeu:
– Nós somos.
Débora riu:
– Você tá brincando, né?
Olhou novamente para as duas, tentando encontrar a semelhança. Fato inédito para Juliana e Amanda, acostumadas a confundir as pessoas desde sempre. A conclusão de Débora foi ainda mais chocante:
– A sua irmã lembra você quando nos conhecemos, no começo do ano.
Bruno completou, do jeitinho implicante de sempre:
– Antes de você brigar com a chapinha.
Piscou para Amanda e recebeu como resposta um dedo médio levantado. Mas ela espantou-se de verdade quando a própria Juliana concordou:
– Você está mesmo bem diferente.
Amanda parou para refletir sobre aquilo. Sentia-se realmente outra, não mais uma parte da irmã, quase um complemento, como antes. O cabelo era apenas reflexo do quanto havia encontrado e abraçado sua verdadeira essência. Não fazia ideia se a mudança era para melhor, só sabia que nunca tinha se sentido tanto ela mesma. Não mais a garota de cidade pequena do interior ainda dentro do armário, recém-chegada em Florianópolis, no início do primeiro semestre de 2017, para cursar engenharia na UFSC. Uma vida tinha se passado desde então. Durante aqueles meses experimentara uma série de situações inéditas, dentre elas não morar mais com os pais, assumir e expressar sua lesbianidade à vontade, se sentir tão livre quanto sozinha, e ser a única responsável por seus atos e escolhas. Nem todas acertadas, fato. Mas, se pudesse voltar no tempo, faria tudo de novo. Especialmente a parte que envolvia Michelle. Não se arrependia de ter feito sexo com a companheira da melhor amiga da mãe. Muito pelo contrário. Inteiramente apaixonada pelo vislumbre de perfeição que a mulher vinte e oito anos mais velha tinha lhe oferecido, a única coisa que desejava era repetir. O suspiro longo e profundo que deixou escapar a fez perceber o quanto se perdera nos próprios pensamentos. Falou muito mais numa tentativa de disfarçar:
– Pareço mais velha pelo menos?
A resposta veio de uma voz muito conhecida atrás dela:
– Não. Continua a mesma bobinha de sempre.
Depois da entrada triunfal, Marina pediu:
– Não vai me apresentar?
Antes que Amanda pudesse atendê-la, a própria Juliana o fez:
– Eu sou a Juliana, a gêmea não mais idêntica.
Marina riu. Falou primeiro para Amanda:
– Gostei dela. – E depois completou, para a outra: – Oi, linda. Eu sou a Marina.
Beijou Juliana no rosto, de uma forma propositalmente lenta, com uma das mãos pousada estrategicamente na cintura dela. Amanda praticamente arrancou a irmã dos braços dela. Não conhecia só de ouvir falar, tinha provado e aprovado – a ponto de quase ter ficado caidinha – as habilidades de sedução e pegação da amiga. Falou baixinho, para que somente Marina ouvisse:
– Nem pense nisso.
Só serviu para fazer com que ela risse mais ainda:
– Acho que além do senso de humor dela, a sua irmã também ficou com o seu.
Débora, que desde a chegada de Marina emudecera, finalmente se manifestou:
– Talvez quem acabe com o bom humor das pessoas seja você e a sua cretinice.
Ela fuzilou Marina com o olhar. Não era novidade. As farpas trocadas entre as duas eram uma constante desde que Amanda tinha ficado com Marina, rompendo a exclusividade que nunca tinha prometido em seu breve relacionamento com Débora. Estranho foi a forma como Marina, sempre de uma serenidade e ironia tão invejáveis quanto exasperantes, se exaltou:
– Que eu saiba, você é a única que pensa assim. – Rapidamente percebeu a falha e mudou. Quando sustentou o olhar de Débora, já tinha nos lábios um sorriso provocante: – Ou será o contrário? Eu mexo com você? Te deixo... – Avançou em direção a ela, ficou tão próxima que sentiu a respiração de Débora se alterar quando completou: – Tensa?
Ela não recuou, nem perdeu o controle. Foi absolutamente sarcástica:
– Quantas vezes eu vou ter que te mandar à merda?
Deixa perfeita para Juliana:
– A conversa está ótima, mas acho que vi uma coisa interessante perto do bar.
Débora aproveitou para se afastar com ela. E Bruno, que tinha notado o boy magia sarado ao qual Juliana se referia, endossou:
– Também vou.
Depois que os três sumiram no meio da festa, Amanda se virou para Marina:
– Por que você faz tanta questão de incomodar a Débora?
Na mesma hora, Marina sugeriu:
– Vamos mudar de assunto?
Exatamente o que a amiga queria:
– A Michelle viajou com a Laura, as duas estão tentando voltar.
Para Marina, aquilo não foi surpresa:
– Já era de se esperar, né? Um casamento de vinte anos não termina assim tão fácil, nem de uma hora pra outra. – No mesmo instante, os olhos de Amanda se encheram de lágrimas. Sinceramente comovida, Marina a abraçou: – Não fica assim, amiga...
Tão logo ela pareceu melhor, soltou-a. Não queria que pensassem que estavam juntas, isso certamente atrapalharia sua noite. E, antes mesmo de esquadrinhar a festa de verdade, já tinha em vista três candidatas. Uma delas movia o corpo ao ritmo da música, sem desviar o olhar. Marina a avaliou de cima a baixo, com um sorriso de aprovação nos lábios, deixando claro que não a estava descartando, antes de voltar a atenção para a amiga que pretendia e iria ajudar em primeiro lugar:
– Me conta mais. Postaram alguma coisa? Mudaram o status de relacionamento no face?
Amanda suspirou profundamente:
– Nada. No face nunca nem deixaram de estar casadas.
Com a testa franzida, pediu:
– Deixa eu ver.
Amanda imediatamente entregou o celular para Marina.
– Meeeeu... A última foto é de meses atrás, uma que você postou e marcou, com vocês três.
Na mesma hora, ela lembrou:
– Na Praia do Matadeiro – suspirou: – Ah, se na época eu soubesse...
Enquanto Amanda recordava a primeira vez em que Michelle a tinha tocado, passando protetor solar em sua pele, a amiga entrou em todas as fotos dos poucos álbuns da mulher antes de dar seu parecer:
– Aparentemente elas são um casal perfeito, sempre juntas, super apaixonadas...
Deixou Amanda indignada:
– Você está tentando me ajudar?
Antes que pudesse protestar mais, Marina a cortou:
– Posso terminar? – Esperou, até obter a atenção total de Amanda, antes de prosseguir: – Se o casamento delas fosse mesmo tão perfeito, se elas fossem realmente tão apaixonadas, nenhuma das duas teria nem te olhado. E vamos combinar? A Laura te beijou e a Michelle transou com você, amiga. Abalou não somente um, mas os dois lados!
O brilho nos olhos de Amanda deixava evidente o quanto a tinha reanimado:
– Verdade.
Não satisfeita, Marina aconselhou:
– Se eu fosse você, agora eu só esperava. – Com o sentimento de missão cumprida, mais ordenou do que sugeriu: – Esquece isso um pouco e vamos dançar e encher a cara!
Um par de horas depois, teve que resgatar uma Juliana completamente bêbada das mãos do desconhecido que estava pronto para fazer sexo com ela num canto nem um pouco escuro, de pé, encostada na parede mesmo e na frente de todo mundo.
– Não está vendo que a guria não tá em condições de consentir, porra?
O boy lixo debochou:
– Você é mãe dela, por acaso?
E Marina respondeu bem ao “estilo Débora”:
– Vai à merda!
Carregou Juliana para longe dele com muita dificuldade, pois ela mal ficava de pé. Quando afinal conseguiu sentá-la em uma cadeira, a irmã gêmea de Amanda cruzou os braços sobre a mesa, deitou a cabeça sobre eles e adormeceu.
– Deixa a coitada da hétero se divertir!
Apesar de surpreendida pela crítica de Bruno, Marina tinha a resposta na ponta da língua:
– Olha o estado dela. O cara ia se aproveitar, você não viu?
Débora também a questionou, claro:
– Não foi o que você fez com a Amanda?
Sua indignação não poderia ser maior:
– É completamente diferente!
Marina nunca tinha feito nada sem o consentimento de ninguém. Bruno se retirou da discussão, dizendo:
– Vou ali ver se alguém se aproveita de mim também.
Afastou-se, deixando as duas sozinhas. A brincadeira péssima, completamente deslegitimadora do amigo não fez Débora recuar. Pelo contrário, estava determinada a confrontar Marina:
– É diferente porque ele é homem?
Marina tinha seus argumentos:
– A Amanda sabia muito bem o que estava fazendo. Pode ter certeza que ela consentiu, gostou e participou ativamente de tudo que aconteceu entre nós.
Débora foi mordaz:
– Só faltou você dizer que ela “estava pedindo”.
Conseguiu deixar Marina realmente enfurecida:
– Ela estava tão afim... Gostou tanto que quis repetir.
Arrependeu-se assim que terminou de falar, pois não só calou Débora, como deixou-a visivelmente abalada. Até pensou em se desculpar ou esclarecer melhor, mas não teve tempo, Amanda apareceu naquele exato momento:
– Sobre o que vocês estão falando?
Era a deixa de que Marina precisava:
– Que é melhor levar sua irmã pra casa.
Não só pela fala enrolada, mas pela maneira que Amanda se atirou nos seus braços, ficou claro que ela não estava em muito melhor estado que Juliana:
– Vem comigo?
Marina teve que fazer um esforço gigantesco para conseguir se livrar das mãos de Amanda e afastá-la; assim que se soltava, ela a agarrava de novo. Repetiu o gesto pelo menos quatro vezes, antes de dizer:
– Eu levo vocês pra casa, mas não vai acontecer nada entre a gente.
Amanda praticamente gritou:
– Por que não? Vai ser divertido, sempre foi... – Enlaçou-a pela cintura, puxou-a para si, esfregou-se nela sem nenhuma sutileza, constrangimento ou pudor: – Depois da Michelle, você foi a melhor trepada da minha vida!
Completamente sem noção, como se Débora não estivesse ali. E, realmente, ela já não estaria, teria se afastado se Marina não a impedisse:
– Débora, espera! Por favor, me ajuda. Eu não dou conta das duas.
Só percebeu o duplo sentido depois, pelo jeito que Débora a fuzilou com os olhos. Levantou as mãos, como quem se rende ou quer mostrar que é inocente. Fez questão de afastar qualquer dúvida que ela pudesse ter:
– Juro que não tem nada de sexual no que eu acabei de falar.
Fez Débora rir, pela primeira vez desde que se conheciam:
– Tudo bem. – Marina também riu, deixando-a à vontade o suficiente para piscar em sua direção, de um jeito que ela mesma achou delicioso, e retribuir a brincadeira: – Vamos levar as gêmeas do barulho pra cama. – O olhar sedutor que Marina lhe lançou fez Débora cair em si. Voltou a ficar séria, foi quase ríspida ao completar: – Nada sexual no que eu falei também.
Durante todo o percurso de carro, Débora se manteve calada ao lado de Marina. Não só por Amanda monopolizar toda a conversa. O excesso de bebida ingerido a fazia enrolar a língua a cada frase, algumas totalmente sem sentido, mas todas compreensíveis para quem sabia ao que se referia. O que mais seria? Michelle. Amanda só falava e pensava nisso.
Estranhamente, Débora não se incomodou, seu desconforto agora estava centrado em outra pessoa. Especificamente na falta de controle que sentia quando estava perto de Marina. Não se considerava uma pessoa romântica. Pelo contrário. Exatamente por isso, o choque de se ver subitamente apaixonada por Amanda só não havia sido maior que a dificuldade de admitir, aceitar e acolher dentro de si mesma o que tinha acontecido com ela – logo ela – algo que considerava completamente impossível e sem sentido: amor à primeira vista.
Quando Amanda correspondeu, de uma maneira direta, sem artifícios, parecia perfeito. Ilusão que não durou. Logo compreendeu que o que sentia não era absolutamente correspondido. O surgimento e a aproximação de Marina tornara tudo pior ainda. Odiava – com todas as forças que possuía e as que sequer tinha ciência de que existiam – a beleza e a sedução inteiramente despreocupadas e inconsequentes da mestranda que considerava uma irresponsável e egocêntrica, exibida, grosseira, vulgar, indecente, ofensiva, infame, desprezível e... e? E.
Sequer encontrava adjetivos pejorativos o suficiente para defini-la.
“Ela realmente tem o poder de me irritar”. Foi a conclusão a que chegou. Não se permitiria mais do que isso.
Marina, por outro lado, permaneceu quieta por motivos igualmente inconfessáveis. Vinha pensando bastante em Débora nos últimos dias. De uma maneira que não queria nem deveria. Tinha jurado para si mesma que nunca mais consentiria maiores envolvimentos. No entanto, existia uma distância infinita e incontrolável entre o que determinava racionalmente para si mesma e o que tê-la ao seu lado lhe despertava. A constância com que ela ocupava seus pensamentos deixava clara a incoerência entre o que pensava e o que sentia.
Tiveram que carregar Juliana para a cama, ela estava praticamente desmaiada. A gêmea adormeceu assim que a deitaram no colchão. Já Amanda estava mergulhada em outro tipo de inconsciência. Passou a mão tanto em Marina quanto em Débora, indiscriminadamente:
– Eu devia ter me apaixonado por vocês duas...
Puxou-as e as abraçou juntas, e elas ficaram coladas também. Tentou beijar Débora que, ao desviar o rosto, acabou encostando os lábios nos de Marina. Completamente vexada, pediu desculpas. Marina não disse nada, apenas fez Amanda se deitar e ordenou, seríssima:
– Agora sossega. Vai dormir.
Não precisou repetir. Amanda sorriu, já de olhos fechados:
– Tá.
Um segundo depois, não estava mais acordada. Marina se virou para Débora e falou a coisa mais inesperada:
– Eu juro que não fiz de propósito. Nunca teria ficado com a Amanda se soubesse que você e ela estavam namorando.
A intenção de Marina não era absolutamente agradar Débora. Estava dizendo a verdade. Seu interesse por Amanda jamais ultrapassara o limite do “naquele determinado momento, na ausência de diversão melhor”. Tinha ficado com ela como ficaria – e ficava – com qualquer mulher bonita disposta a fazer sexo casual. Nunca passaria disso se não tivessem se identificado a ponto de se tornarem o que eram agora: boas amigas. Sentia por Amanda um afeto e uma preocupação fraternais, e mais nada.
Sua sinceridade ficou evidente para Débora, que achou sua atitude admirável. Fez questão de tranquilizá-la:
– Nós não estávamos.
Marina não escondeu a surpresa:
– Eu pensei que...
Débora não a deixou concluir a frase, disse com todas as letras:
– A Amanda nunca foi minha namorada. Nós só ficamos algumas vezes.
Sua confusão passou a ser outra:
– Mas então por que...?
Todo o rancor e a agressividade que Débora jogava sobre ela sempre que se encontravam pareceram subitamente injustificáveis, até ela dizer:
– Me desculpa. Acabei descontando toda a minha frustração em você. – Fez uma pausa, antes de continuar: – Não é culpa sua a Amanda ter me dispensado. Se não fosse com você, seria com outra. Ela não queria ficar comigo. Essa é a verdade.
A experiência de Marina era vasta. Incluía não uma, mas várias desilusões, dores de cotovelo e fracassos:
– Não é fácil duas pessoas se interessarem uma pela outra ao mesmo tempo. Geralmente, a gente se interessa por quem não está nem aí pra gente e não estamos nem aí pra quem está interessada em nós.
O sorriso de Débora pareceu iluminar toda a sala:
– É, tem razão. Olha que coisa mais irônica: eu estava interessada na Amanda e ela estava interessada em você.
A voz de Marina saiu baixa, quase sussurrada:
– Estava? Não está mais?
Sentindo-se estranhamente sem jeito, respondeu:
– Acho que a Amanda está realmente apaixonada pela Michelle.
Foi ofuscada pelo riso deliciosamente divertido de Marina:
– Não estou falando da Amanda. – Ela se aproximou, ficou a milímetros apenas, a boca tão próxima que Débora pôde sentir perfeitamente cada palavra soprada por Marina: – Eu quero saber de você.
Tomada por um nervosismo incontrolável, Débora chegou a gaguejar, falou com muita dificuldade:
– Eu? Eu não estou interessada em ninguém.
Os olhos de Marina cintilaram:
– Que bom, porque eu estou. – Passou a língua nos lábios antes de continuar: – Muito interessada... – A respiração de Débora se alterou, acompanhou a de Marina, em completa sintonia, enquanto ela concluía: – Em você.
Tomou os lábios de Débora nos dela, com uma voracidade intensa e absolutamente arrebatadora. Sua primeira reação foi instintiva e puramente física. Passou os braços ao redor do pescoço de Marina, e correspondeu com a mesma veemência. Levou alguns minutos para ser capaz de pensar e se surpreender, não com a atitude de Marina – era exatamente o que esperava dela – mas com a própria vontade, o prazer que sentiu naquilo. Deixou-se levar, se permitiu desfrutar o ardor que os beijos e carícias despertaram. Teria continuado assim, nos braços dela, inteiramente entregue à languidez trêmula e fremente que ela causou com a boca, com a língua e com os lábios. Foram as mãos, buscando a pele por baixo das roupas, que a trouxeram de volta à realidade. Afastou-as num protesto que saiu sussurrado:
– Calma...
Mas que teve o poder de detê-la. Marina se afastou, apenas o suficiente para sugerir:
– Vamos sair daqui?
A urgência nos seus olhos deixando claro o que pretendia e desejava. Usá-la e se deixar usar. Não que Débora tivesse pudores ou algum empecilho moral que a impedisse, não seria a primeira vez, não tinha nada contra sexo casual. No entanto, naquele momento, não era o que queria, muito menos do que precisava. Já bastava a experiência com Amanda. Mais uma pegação inconsequente em sua vida era totalmente desnecessária. Por mais deliciosa e experiente que Marina fosse – pela perícia ao beijar podia calcular o quanto –, preferiu não aceitar:
– Vou pra casa.
Afastou-se de Marina e pegou a bolsa que tinha deixado sobre a mesa ao entrar. Marina engoliu a própria perplexidade e vaidade, em questão de segundos estava novamente atrás dela, oferecendo:
– Eu te levo.
Débora se virou:
– Não precisa.
Deixando Marina completamente fascinada pelo sorriso e pela recusa recebidos. Segurou sua mão com a mesma doçura com que falou:
– Pensei que tivéssemos ultrapassado essa fase.
Uma simplicidade suave e íntima se estabeleceu. O sorriso de Débora se transformou quase em riso:
– Que fase?
Sem soltar a mão dela, Marina se aproximou, olhando-a de lado, de um jeito provocante e irresistivelmente sedutor:
– De você me odiar e querer distância de mim.
A resposta soou tímida, quase frágil:
– Não é isso.
Marina aproveitou para enlaçá-la pela cintura:
– O que é então?
A respiração de Débora se alterou, ela disfarçou como pôde:
– Não quero te dar trabalho.
O rubor na sua face deixou Marina deliciada. Puxou Débora para si, soprou em seu ouvido, causando arrepios:
– Vai ser um prazer... – Débora se defendeu da única forma possível, colocando as mãos nos ombros de Marina, os braços entre elas, garantindo que os corpos se mantivessem separados. Mas Marina jamais desistiria tão fácil: – Claro que eu preferia te levar pra minha casa... – Desceu os lábios pelo seu pescoço de uma forma que julgava infalível, causando tremores e arrancando alguns gemidos e suspiros antes de sugerir: – O que você acha? – A mudez de Débora a obrigou a insistir: – Vamos?
A insegurança que se iniciara com a ausência do consentimento imediato que Marina tinha como certo aumentou ainda mais quando Débora falou, afinal:
– Não, eu quero ir pra minha casa.
Sem ser capaz de esconder o quanto estava desconcertada, Marina a soltou, deu dois passos para trás e concordou, sem fitá-la:
– Tá. Tudo bem.
Um silêncio desconfortável se estabeleceu entre as duas e se manteve até o momento em que entraram no carro. Antes que Marina pudesse girar a chave na ignição, Débora colocou a mão no seu braço e a chamou pelo nome, de uma maneira tão doce e suave que desarmou Marina completamente. Virou-se para ela sem saber o que esperar. Foi com total perplexidade que viu Débora aproximar o rosto. A mesma com que se deixou beijar, a princípio, com passividade. Quando o beijo se tornou mais e mais exigente, tateou em busca de um contato mais íntimo, da maneira ávida e ousada que lhe era usual. Surpreendeu-se de novo, não só por ter todos os avanços rechaçados, mas por Débora não se afastar nem parar de beijá-la. Apenas segurou e conteve as mãos de Marina, mantendo as carícias num limite comportado. Aquilo a deixou indignada. Bufou, irritadíssima:
– O que você tá querendo?
Débora a olhou profundamente ao afirmar:
– Te beijar.
Com uma sinceridade cristalina, que a fez compreender que não se tratava de uma provocação, afinal. A expressão de incredulidade nos olhos de Marina deu lugar a outra, tão fascinante quanto o jeito que ela confessou:
– Eu queria mais.
A despeito disso, Débora se manteve firme:
– Não estou pronta pra isso. – Fez uma pausa, antes de concluir: – Não precisa me levar, posso chamar um uber.
Não houve hesitação por parte de Marina:
– Uma coisa não tem nada a ver com a outra. – Segurou seu rosto entre as mãos, roçou os lábios nos dela de leve, num último beijo repleto de carinho: – Vamos até onde você quiser. – Depois, se virou para o volante e completou, com um sorriso que Débora achou lindo: – É só me ensinar o caminho.